O presidente Donald Trump fez, na terça-feira (4) , seu primeiro discurso ao Congresso norte-americano, que, com uma duração de uma hora e quarenta minutos, reforçou sua política nacionalista isolacionista no campo econômico. O pronunciamento teve forte semelhança com os tradicionais discursos de State of the Union, geralmente proferidos ao final do primeiro ano de mandato. Mais do que um evento protocolar, o discurso veio no rastro da efetivação de tarifas sobre importações do México, Canadá e China, marcando um endurecimento da política protecionista americana. A estratégia, anunciada como uma resposta (ao menos de forma oficial) ao tráfico de fentanil e à imigração ilegal, também carrega um forte componente de retaliação comercial, com impactos ainda incalculáveis tanto para a economia dos países envolvidos no tarifaço quanto para seus desdobramentos na economia global. A inflação persistente nos Estados Unidos e a insatisfação crescente da população com a economia indicam que Trump busca reforçar sua imagem de defensor dos interesses nacionais, ainda que a realidade econômica sugira que sua política econômica protecionista possa ter efeitos colaterais iminentes no bolso do consumidor americano.
Presidente dos EUA, Donald Trump Julia Mineeva/Thenews2/Folhapress
A decisão de finalmente implementar as tarifas gerou respostas imediatas. O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, adotou uma postura frontalmente contrária. Em um discurso duro, Trudeau qualificou as tarifas americanas como estúpidas, além de anunciar uma retaliação proporcional de 25% sobre produtos dos EUA. A China, por sua vez, optou por uma resposta moderada, elevando tarifas para 10% a 15% em produtos em sua maioria agrícolas importados dos USA, além de algumas restrições comerciais a empresas americanas, mas sem demonstrar interesse em aprofundar a guerra tarifária. Cláudia Sheinbaum, presidente do México, anunciou que implementará medidas retaliatórias, incluindo tarifas e outras ações não-tarifarias contra os EUA, a serem anunciadas nos próximos dias.
O setor privado também reagiu negativamente ao tarifaço de Trump. O CEO da Ford, Jim Farley, expressou preocupação com os impactos desastrosos das tarifas sobre a indústria automobilística americana, destacando que estas poderiam adicionar aproximadamente US$ 60 bilhões em custos ao setor, resultando em um aumento de cerca de US$ 3.000 no preço de veículos novos. Faley destaca ainda que as tarifas podem beneficiar concorrentes asiáticos e europeus. Apesar da retórica nacionalista, a realidade econômica contraria a narrativa de Trump. A ideia de que as tarifas forçarão empresas a realocarem fábricas para os Estados Unidos ignora fatores estruturais como o alto custo da mão de obra americana e a instabilidade da política tarifária. A incerteza é um obstáculo econômico; num cenério de incertezas é difícil esperar que investidores façam apostas de longo prazo em solo americano. O mais provável é que empresas busquem alternativas em países não afetados pelas tarifas.
Ao dobrar sua aposta no isolacionismo econômico, Trump não apenas se choca com aliados estratégicos, mas também aumenta o risco de crise na cadeira de suprimentos e uma desaceleração econômica global. A imposição de tarifas comerciais como arma política pode levar a um ciclo de retaliações e incertezas que, longe de impulsionar a economia americana, pode minar sua competitividade.
Vale notar que o discurso de Trump não se limitou à esfera econômica. O presidente aproveitou a ocasião para reforçar seu embate contra a chamada cultura woke, atacando políticas de diversidade e inclusão e retomando a retórica divisionista que marcou sua campanha. Esse movimento busca energizar sua base mais conservadora. A insistência em um discurso pautado pelo medo e pela divisão não é apenas uma estratégia retórica, mas uma ferramenta para desviar a atenção dos desafios concretos que sua administração enfrenta. Com uma crescente insatisfação popular com os resultados práticos de sua administração na economia.
O discurso de Trump ao Congresso deixou claro que sua administração seguirá um caminho de confronto, tanto na arena econômica quanto na cultural. O isolacionismo econômico pode trazer dividendos políticos no curto prazo, mas a médio e longo prazo, os custos podem ser altos, tanto para os Estados Unidos quanto para seus parceiros comerciais. A retórica protecionista não muda o fato de que a economia americana depende de cadeias globais de produção, e impor tarifas não significa, necessariamente, trazer empregos de volta. A grande questão que fica é: até que ponto os americanos estão dispostos a pagar o preço da estratégia de Trump? As próximas pesquisas de opinião dirão se o eleitorado comprou essa narrativa ou se a realidade econômica começará a corroer o suporte ao presidente.