Congresso em Foco

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Se o Legislativo é a casa do povo e busca espelhar valores e desejos da sociedade, é mais do que esperado que ele reflita parte do que parcelas do eleitorado pensa, por exemplo, sobre o Poder Executivo principalmente quando o parlamento tem em suas fileiras representações bem-organizadas, ou ao menos barulhentas, da oposição.

Eduardo Cunha e Dilma Rousseff: relação conflituosa acabou em impeachment

Eduardo Cunha e Dilma Rousseff: relação conflituosa acabou em impeachmentPedro Ladeira/Folhapress

No fim dos anos 90, imediatamente depois de reeleito, Fernando Henrique Cardoso mexeu no câmbio e sofreu com a ira de um PT minoritário, mas aguerrido. Uma ala do partido defendia o impeachment do então presidente, enquanto outra afirmava que ele sangraria por quatro anos e o PSDB chegaria enfraquecido em 2002. Simbolicamente, um Judas gigante, digno de constar no Guiness Book como o maior do mundo, foi malhado tendo como personagem o mandatário do Planalto. Ao longo do seu novo mandato, a oposição engrossou a fala e ganhou o pleito seguinte com Lula.

Durante os oitos anos do petista, exceção feita ao emblemático escândalo do mensalão, que não respingou de forma tão expressiva em Lula quanto vitimou figuras de seu próprio partido/governo e partes significativas das legendas governistas que o acompanharam no Congresso Nacional, o que se viu foi paz. Uma paz protagonizada por oposição leve, que no Legislativo chegou a aplaudir coisas que considerava certas, numa lógica que se distancia daquela praticada pelo PT na oposição, e atualmente por uma direita renhida. Junto à opinião pública, sobretudo no segundo mandato, o petista bateu recordes de boas avaliações. No pleito municipal de 2008, por exemplo, seu apoio foi disputado a tapa entre partidos de sua base parlamentar em cidades em que os parceiros de Congresso eram inimigos nas ruas.

Tamanha popularidade fez com que a neófita eleitoral Dilma Rousseff fosse escolhida sob as bençãos de Lula. É em seu governo, que tem um início positivo junto aos eleitores, que o barco começa a afundar. A demissão em série de ministros de partidos aliados, a que se convencionou chamar de faxina ética, resultou em perda de apoios e dificuldades que viriam a se tornar mais intensas com as Jornadas de 2013.

Mais uma vez, a opinião pública impactou fortemente a relação do Planalto com o parlamento. Se em 2014, pela mais estreita margem até então registrada, Dilma foi reeleita em um gesto magistral de marketing político para derrotar a novidade (Marina Silva) e o passado construído como fantasmagórico (Aécio Neves), a partir dali notou-se o início de um desavergonhamento da direita.

Políticas equivocadas, sobretudo no campo econômico e com impacto direto sobre o preço dos combustíveis, levaram a um 2015 tenebroso ao Executivo. As manobras começam com a eleição de Eduardo Cunha à Presidência da Câmara, em erro crasso de articulação do Planalto, e culminam no impeachment instrumento institucional levado adiante por um Congresso que assistia uma total desarticulação do governo em suas frentes.

Quando Dilma está sendo levada ao abismo pelo Legislativo, é de seu vice, que herdaria o poder, uma das frases mais simbólicas do período: com esses níveis de avaliação junto à sociedade, presidente nenhum governa e resiste.

Michel Temer foi ainda mais mal avaliado, mas sequer tentou a reeleição e cambaleou aos olhos da sociedade até o último dia de trabalho, quando passou a faixa para Jair Bolsonaro. Sua boa relação com o Legislativo, cuja Câmara presidiu por três vezes, e seu trânsito fácil no STF, talvez o tenham salvado. A sociedade pouco pressionou o Congresso para que outro afastamento ocorresse, restando lembrar que o então presidente foi acusado de corrupção e, já longe do poder, foi algemado em bairro nobre de São Paulo.

Jair Bolsonaro experimentou o que existe de pior junto ao Legislativo. Teve mais vetos derrubados do que todos os seus antecessores somados. A despeito da pandemia, que lhe garantiu vantagens junto ao parlamento, que açodou o processo legislativo a ponto de ver a oposição se alojar num ativíssimo STF, protagonizou o escândalo do orçamento secreto que lhe sequestrou partes do orçamento. De um lado o que sua equipe chamou, com total desfaçatez, de municipalização do orçamento, de outro uma melhora em sua imagem às vésperas das eleições que quase lhe deram a reeleição e custaram bilhões em desequilíbrio fiscal ao país.

Na opinião pública, intensidades de naturezas semelhantes. Bolsonaro oscilou, sobretudo diante de suas reações à covid-19, como poucos, assim como exagerou em atividades virtuais que lhe custaram apoios um dos mais emblemáticos, a postagem do Golden Shower no Carnaval de 2019.

Depois de um mês inicial bem avaliado, colheu resultados ruins, e no Congresso Nacional, deputados ligados a partidos de direita diziam já nas primeiras semanas que o mandatário não duraria no poder. Dificuldades ocorreram, e de fato, por vezes ameaças de impeachment chegaram ao Planalto, reforçadas por uma opinião pública efervescente, contida, em parte, por um contraponto acalorado de fãs do chamado Mito.

A vez agora é de Lula. A sociedade do terceiro mandato em NADA lembra aquela de 2010, quando seu segundo governo terminou. As atitudes são outras, a polarização é mais intensa, a comunicação é diferente, os valores mudaram. Lula não colheu, até agora, a avaliação de mandatos anteriores.

E pior: depois de andar de lado em 2023, registrando médias de popularidade que espelham cisão na opinião pública, parece mergulhar em piora expressiva diante, principalmente, de notícias protagonizadas por uma oposição volumosa, barulhenta e, por vezes, radical.

Hoje, o PT parece provar o que plantou, em outra dimensão e lógica, entre os anos 90 e 2002. No campo econômico, a inflação carcome o sonho do acesso aos alimentos prometido em 2022, e por mais que renda e emprego melhorem, o povo não parece satisfeito com os preços principalmente da comida.

Resultado: diante de uma opinião pública que vai se enervando, o Legislativo se transforma em palco ideal à oposição. Reclames dos mais diversos emergem, o orçamento cada vez vai se distribuindo de forma mais ampla entre a base de apoio, impeachment volta a ser palavra utilizada como ameaça e a complexidade de governar se faz presente. O breve histórico acima mostra que crises de percepções da sociedade em relação aos governos podem aguçar as oposições no Legislativo, que por vezes apenas lhe serve de espelho.

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