São conhecidas mais de 7.000 dessas enfermidades, que afetam entre 3,5% e 5,9% da população global
Estima-se que entre 300 e 400 milhões de pessoas em todo o mundo vivam com doenças raras. Atualmente, são conhecidas mais de 7.000 dessas doenças, que afetam entre 3,5% e 5,9% da população global. Cerca de 80% delas têm origem genética, o que significa que muitas são causadas por alterações no material genético das células. Esse conhecimento tem possibilitado o desenvolvimento de tratamentos específicos para corrigir essas mutações ou minimizar seus efeitos negativos, uma abordagem conhecida como medicina personalizada.
Durante muito tempo, as doenças raras foram negligenciadas pela indústria farmacêutica, que priorizava investimentos em medicamentos para doenças mais prevalentes, como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares e pulmonares. Nesses casos, a pesquisa sobre doenças raras dependia majoritariamente de financiamento governamental e de instituições filantrópicas. Um marco significativo ocorreu em 1983, com a criação da Lei do Medicamento Órfão (Orphan Drug Act) nos Estados Unidos, que ofereceu incentivos mercadológicos, financeiros e fiscais para estimular o desenvolvimento de tratamentos voltados a essas condições. Nos anos seguintes, diversos países adotaram políticas semelhantes, contribuindo para avanços científicos e incentivando a participação da indústria farmacêutica.
O National Institutes of Health (NIH), maior instituição de pesquisa médica do mundo, localizada em Bethesda, Maryland, desempenhou um papel crucial nesse progresso, financiando estudos tanto nos Estados Unidos quanto internacionalmente. Com um orçamento anual de aproximadamente US$ 50 bilhões do governo americano, o NIH apoia pesquisas em diversas áreas, incluindo terapia gênica, terapia celular, medicina de precisão e terapias personalizadas.
As doenças hematológicas são um exemplo de como esses investimentos impulsionaram a inovação. Em geral, essas condições são menos comuns do que doenças cardiovasculares ou tumores sólidos, o que faz com que muitos médicos tenham menor familiaridade com seu diagnóstico e tratamento. Esse cenário pode levar a atrasos no diagnóstico e na instituição da terapia adequada, um processo conhecido como “odisseia diagnóstica”, que envolve múltiplas consultas, exames e, muitas vezes, diagnósticos incorretos. O estabelecimento de centros de referência especializados tem sido fundamental para reduzir esse tempo e melhorar o atendimento aos pacientes.
Na Hematologia, exemplos emblemáticos incluem a anemia falciforme e as talassemias, doenças genéticas que afetam a hemoglobina, a proteína responsável pelo transporte de oxigênio no sangue. Essas condições geralmente são diagnosticadas ainda na infância. Com o apoio do NIH, cientistas desenvolveram terapias inovadoras, como a inserção de um gene saudável nas células do próprio paciente para permitir a produção de hemoglobina normal.
Outra abordagem revolucionária foi o uso da tecnologia CRISPR para edição (correção) do DNA, permitindo a reativação da hemoglobina fetal (HbF) e prevenindo a deformação das células falciformes. Recentemente aprovadas por órgãos regulatórios, essas terapias trouxeram esperança para pacientes que antes dependiam de transfusões frequentes e tinham poucas opções terapêuticas.
A abordagem genética também tem sido aplicada com sucesso no tratamento da hemofilia, uma doença em que o organismo apresenta dificuldades em conter sangramentos, e nas imunodeficiências primárias, um grupo de condições que comprometem o funcionamento adequado do sistema imunológico desde o nascimento, tornando os indivíduos mais suscetíveis a infecções graves. Um exemplo conhecido é retratado no filme O Menino da Bolha, que conta a história de uma criança com imunodeficiência grave na década de 70 que precisou viver em um ambiente completamente esterilizado, dentro de uma bolha de plástico, para evitar infecções.
Outra inovação de grande impacto é a terapia com células CAR-T, um tratamento que utiliza o próprio sistema imunológico do paciente para combater neoplasias hematológicas. Com apoio do NIH, cientistas desenvolveram essa tecnologia ao modificar geneticamente linfócitos T para que reconhecessem e eliminassem células cancerígenas. Inicialmente aprovada para leucemias linfoblásticas refratárias, essa terapia foi aprimorada para tratar outros cânceres hematológicos, como linfomas e mieloma múltiplo, onde as células CAR-T atacam alvos específicos nessas doenças. Essa abordagem representa uma nova esperança para pacientes sem opções terapêuticas eficazes, oferecendo a possibilidade de remissões prolongadas e, em alguns casos, a cura.
A medicina de precisão tem revolucionado o tratamento de neoplasias hematológicas e doenças da medula óssea, como leucemia mieloide aguda e síndromes mieloproliferativas, que envolvem a produção descontrolada de células sanguíneas. Com o suporte do NIH, cientistas identificaram mutações genéticas responsáveis por essas doenças, possibilitando o desenvolvimento de terapias-alvo que atacam seletivamente as células doentes, tornando os tratamentos mais eficazes e reduzindo efeitos colaterais.
Esses avanços representam uma nova esperança para pacientes que, até recentemente, dispunham de poucas opções terapêuticas. Embora ainda existam desafios a superar, o futuro dos tratamentos para doenças raras é cada vez mais promissor. A ciência continua evoluindo, ampliando perspectivas e trazendo novas possibilidades para milhões de pessoas ao redor do mundo que convivem com essas condições.
Dr. Phillip Scheinberg – CRM 87.226
Médico Hematologista Chefe da Hematologia da BP A Beneficência Portuguesa
Membro da Brazil Health