Projeto para tornar Bolsonaro elegível não passaria por Lula e STF

Projeto para tornar Bolsonaro elegível não passaria por Lula e STF


Após Bolsonaro afirmar que a Ficha Limpa é usada para perseguir a direita, autor da lei diz que a norma não tem lado político; proposta de mudança enfrentaria impasses em todos os 3 Poderes

De autoria do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), o PLP (Projeto de Lei Complementar) 141 de 2023 busca alterar a Lei das Inelegibilidades, de 1990, e reduzir o tempo de 8 para 2 anos. Para especialistas, a medida que poderia tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao menos mais 3 integrantes do seu partido elegíveis, contudo, enfrenta baixas possibilidades de sucesso. Além disso, passa a mensagem de desprezo” ao modelo de proteção do processo eleitoral.

O ex-presidente disse na 3ª feira (18.fev) que a Lei da Ficha Limpa “é usada para perseguir a direita”. A fala foi dita logo depois de almoço no Senado com o Bloco Vanguarda, de oposição ao governo, e no mesmo dia da denúncia da PGR contra o ex-presidente.

A Lei Complementar nº 135, de 2010 (Ficha Limpa), tornou mais rígidas as regras para impedir condenados por abuso de poder político e econômico, dentre outros crimes, de disputar as eleições. Foi ela quem aumentou o tempo de inelegibilidade de 3 para 8 anos. 

De fato, condenados de direita pela Justiça Eleitoral, como Jair Bolsonaro, Carla Zambelli (PL-SP) e Delegado Cavalcante (PL-CE), inelegíveis até 2030, e Valdevan Noventa (PL-SE), inelegível ate 2026, seriam beneficiados com a mudança na norma. 


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Contudo, o advogado e ex-juiz Márlon Reis, autor da Lei da Ficha Limpa, relembra que a legislação é a mesma que tornou Lula inelegível em 2018, quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) indeferiu a sua candidatura por 6 votos a 1. Ele afirma que a lei de sua autoria não tem lado político.

A lei da ficha limpa não é contra a esquerda ou a direita. É um patamar ao qual todos têm que se ajustar. O presidente Lula foi barrado pela lei em 2016. Se acontecer isso com Bolsonaro, será depois de ter acontecido com o PT. Então, não é sobre o PT ou a direita. É um regime de proteção do sistema eleitoral e eu acredito que a imensa maioria da população perceberá isso com facilidade”, declarou ao Poder360.

Márlon classificou a proposta de alteração como um desprezo” ao modelo de proteção do processo eleitoral. Avalia que a lei foi conquistada depois de uma mobilização social por mais rigidez ao combate ao crime de corrupção e sugeriu que o apoio de Bolsonaro à proposta contraria o discurso que o tornou presidente em 1º lugar.

“Fora esse objetivo inicial de trazer os políticos do PL ele de volta às eleições, tem essa outra mensagem de que ‘vamos estar afrouxando crimes de corrupção’. Mais do que uma mensagem, isso é uma ação concreta que busca esse afrouxamento. A redução desse prazo representa o retorno à Justiça de um grande número de pessoas condenadas em todos os Estados. É uma responsabilidade que se busca para satisfazer as finalidades eleitorais de uma única pessoa [Bolsonaro], em desprezo a todo um modelo de proteção do processo eleitoral”, declarou.

Apesar da articulação do ex-presidente no Congresso pela alteração na lei, especialistas consultados pelo Poder360 dizem que as barreiras para o avanço da proposta, entretanto, estão em todos os 3 Poderes, começando na própria Casa Legislativa onde tramita.

BARREIRA NO LEGISLATIVO

O especialista em direito eleitoral Rodrigo Mesquita disse não acreditar que haverá um consenso suficiente sobre o tema para a sua aprovação na Câmara. O PLP precisa de 257 assinaturas (maioria absoluta) do plenário para avançar na Casa Baixa e, segundo Mesquita, há um “custo político na aprovação de uma lei como essa”, uma vez que retroage nos avanços para punir irregularidades eleitorais.

“Eu não acho que teremos uma maioria congressional que assumirá o ônus político de uma decisão tão casuística e perigosa quanto essa, que deixará o Brasil sob suspeita perante a própria comunidade internacional”, afirmou.

O projeto de lei está atualmente na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), que determina se uma proposição é constitucional ou não. Caso a decisão seja desfavorável ao projeto de lei, ele sequer pode tramitar no Congresso. A análise pela Comissão deve iniciar depois do Carnaval.

BARREIRA NO EXECUTIVO E NO JUDICIÁRIO

Além do Congresso, ambos os especialistas lembram que a medida ainda teria que passar pelo aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mesmo se o PLP fosse aprovado, ele estaria sujeito à sanção presidencial, podendo ser vetado se considerado inconstitucional ou contrário ao interesse público. O caso atrasaria a conclusão do debate.

Em um situação de baixa probabilidade, segundo os especialistas, em que o PLP atravessa todos esses impasses, a maior barreira, possivelmente impenetrável, está na Justiça. Ambos afirmam que uma proposta como essa seria enquadrada como inconstitucional no STF (Supremo Tribunal Federal) por variados motivos, como o casuísmo, a retroação e a necessidade de proteção à democracia.

Márlon Reis afirma que o casuísmo está no fato da lei ter sido pensada exatamente para reverter a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, e não motivada por valores e princípios bem estabelecidos. 

Sobre o não-retrocesso da lei, é vedado ao legislador a criação de leis penais que incidam sobre fatos anteriores à sua vigência. No caso, isso impediria que a mudança proposta por Bibo Nunes afetasse a inelegibilidade de Bolsonaro. 

Contudo, Márlon Reis afirma que a vertente seguida pelo Supremo é a de que a inelegibilidade não é uma pena e já há, inclusive, jurisprudência formada para que a lei da ficha limpa seja aplicada aos casos que antecedem a sua criação. 

A questão da retroação da lei não é para ser pensada, segundo o advogado, como um fato que impediria a retomada da elegibilidade de Bolsonaro, mas como mais uma prova de que a medida foi arquitetada para benefício do ex-presidente, tendo em vista a vertente seguida pelo Tribunal.

“A inelegibilidade não é uma pena, é uma condição para o registro da candidatura. E o Supremo já decidiu que as normas que tratam de inelegibilidade são aplicáveis aos fatos pretéritos. Portanto, beneficiária ele [Bolsonaro], sim, e eles [propositores do PLP] sabem disso. Eles sabem que a jurisprudência do Supremo é favorável ao entendimento de que essa mudança seria aplicável a eles, por isso estão fazendo o que estão fazendo”, declarou.

Em uma última hipótese de argumento, Márlon afirma ainda que a lei representa um “retrocesso civilizatório”, já que foi conquistado pela mobilização da sociedade brasileira”, podendo ser enquadrado como inconstitucional no que diz respeito à proteção da democracia.

Rodrigo Mesquita diz que a proteção à democracia, inclusive, seria um argumento mais forte do que a discussão de “se a lei retroage ou não retroage” para que o debate seja barrado pelo Supremo Tribunal Federal. 





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