Congresso em Foco

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Texto escrito em parceria com Luciana Bauer (advogada, fundadora do coletivo climático Jusclima e professora de Filosofia do Direito e Direitos Climáticos).

A democracia americana sempre foi fundamentada no princípio dos freios e contrapesos, garantindo que os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – se equilibrassem para evitar a concentração de poder. No entanto, o trumpismo representa uma ameaça direta a esse sistema, corroendo suas bases e preparando o terreno para um governo autoritário. O Projeto 2025, formulado por setores da extrema-direita (Heritage Foundation), expõe de maneira explícita a intenção de capturar as instituições democráticas, esvaziando sua funcionalidade por dentro. O que diferencia esse momento de outras crises institucionais é o grau de normalização desse processo, com elites políticas, econômicas e acadêmicas muitas vezes paralisadas…. ou anestesiadas? com a rapidez da transição para um modelo de governo autoritário.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump

O presidente dos Estados Unidos, Donald TrumpGage Skidmore (via Flickr/ licença CC BY-SA 2.0)

A estrutura dos Estados Unidos sempre foi marcada por um elitismo institucional. Desde a sua fundação, a Constituição consolidou um modelo político no qual o poder permaneceu concentrado nas mãos de grandes proprietários e interesses econômicos. O Colégio Eleitoral, criado para filtrar a vontade popular, ainda hoje serve como barreira para a plena expressão democrática. Além disso, a manipulação dos distritos eleitorais pelos partidos políticos (gerrymandering) impede que mudanças significativas ocorram dentro do sistema, garantindo que as elites políticas se perpetuem no poder.

Nesta administração Trump 2, o Executivo americano passou a se expandir de maneira preocupante. O equilíbrio entre os poderes tem sido sistematicamente corroído desde a posse de Donald Trump, há apenas um mês. O Executivo avança sobre o Judiciário, ignora o Legislativo e governa cada vez mais por decretos e medidas unilaterais. O desrespeito ao Judiciário se tornou uma estratégia clara para fragilizar a democracia. Trump desafiou repetidamente decisões judiciais, ignorando ordens e desacreditando magistrados publicamente. O departamento de Justiça (DOJ) aparelhado por Trump, segue claramente sua agenda política.

O Legislativo, que deveria ser um contrapeso ao Executivo, também está cada vez mais enfraquecido. Trump governa por decretos, marginalizando o papel do Congresso. O Partido Republicano, que antes representava uma força independente no jogo político, se tornou uma extensão da presidência. Dissidências internas a Trump no partido republicano existem, mas apenas de portas fechadas, em público, o MAGA domina o partido republicano. A submissão ao trumpismo transformou a arena legislativa em um espaço paralisado, onde grandes temas nacionais. A consequência é um Executivo que opera sem fiscalização real, consolidando um governo que ignora os mecanismos democráticos tradicionais.

O Projeto 2025, visa reestruturar o governo federal dos Estados Unidos, ampliando os poderes presidenciais e reduzindo a independência de agências como o Departamento de Justiça (DOJ) e o Federal Bureau of Investigation (FBI). Após sua reeleição em 2024, o presidente Trump incorporou diversas propostas do Projeto 2025 em sua administração. Notavelmente, nomeou colaboradores do projeto para cargos-chave, incluindo Brendan Carr para liderar a Comissão Federal de Comunicações (FCC) e Tom Homan como “czar da fronteira”. Além disso, mais de 60% das ações executivas iniciais de Trump refletem ou parcialmente refletem propostas do Projeto 2025. Essas ações abrangem desde ordens executivas que facilitam a exploração de petróleo no Alasca até a reversão de regulamentações ambientais estabelecidas por administrações anteriores. A implementação dessas políticas tem gerado debates sobre a concentração de poder no Executivo e os impactos nas políticas ambientais e de imigração do país.

As universidades americanas, historicamente um bastião do pensamento crítico, estão cada vez mais intimidadas, especialmente após a repressão contra estudantes que protestaram contra a guerra em Gaza. Grandes empresários, especialmente os bilionários das big techs, enxergam no trumpismo uma oportunidade de desregulamentação, o que os leva a apoiar, direta ou indiretamente, o avanço desse modelo autoritário. Mesmo os democratas, que deveriam atuar como uma barreira de contenção, muitas vezes falham em oferecer resistência real, permitindo que o sistema seja progressivamente esvaziado.

O desmonte democrático nos Estados Unidos segue um padrão claro: ataque ao Judiciário, silenciamento do Legislativo e fortalecimento do Executivo. O Projeto 2025 representa o estágio final desse processo, consolidando um governo autoritário dentro das regras institucionais, mas esvaziando sua essência democrática. A democracia americana, antes vista como um modelo global, agora enfrenta seu maior teste histórico. As instituições resistirão? O que estamos assistindo não parece ser uma crise temporária, mas a reconfiguração total do sistema político americano. Resta saber se ainda há tempo para impedir esse processo – ou se já estamos apenas observando a formalização de um novo regime.

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].



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