Brasileiros que “venderam” a íris enfrentam dificuldades com app: “Perdi o dinheiro”

Usuários que participaram do projeto World e forneceram a biometria da íris em troca de pagamento relatam obstáculos para obter assistência da empresa após o cadastro. O projeto, que tem expandido sua atuação em áreas periféricas de São Paulo, utiliza a íris humana como um identificador digital avançado. As informações são do G1.

As principais reclamações dos usuários estão relacionadas ao funcionamento do World App, plataforma utilizada tanto para ingressar no projeto quanto para armazenar os valores recebidos. Muitas pessoas relataram problemas para acessar suas contas e resgatar o dinheiro prometido.

“Tentei entrar em contato pelo chat do app várias vezes e o problema não foi resolvido. Então, decidi vir aqui na loja. Aí me disseram que talvez eu tenha sido banida por alguma atividade suspeita. Mas que atividade? Não sei, e não deixei ninguém mexer no celular. Perdi a conta e o dinheiro”, diz Vivian Caramaschi, de 48 anos.

O projeto prevê o pagamento de 20 unidades da criptomoeda Worldcoin em até 24 horas após o escaneamento da íris, com mais 28 moedas distribuídas ao longo de um ano. O usuário pode trocar essas moedas por reais, e, entre dezembro de 2024 e janeiro de 2025, a conversão chegou a R$ 600.

Entretanto, desde o final de janeiro, a cotação da moeda caiu significativamente, coincidindo com a decisão da ANPD de vetar a remuneração e com a redução do número de novos cadastros nos postos de escaneamento.

A World defende que os pagamentos são um incentivo para atrair novos usuários, alegando que sua tecnologia ajudará a distinguir humanos de sistemas de inteligência artificial no futuro.

Possíveis irregularidades

Advogados especializados apontam que a empresa pode estar violando os direitos dos consumidores e que os participantes têm o direito de buscar a Justiça para questionar a validade dos contratos firmados com a Tools for Humanity, responsável pelo projeto.

Vivian Caramaschi, que realizou o escaneamento da íris em novembro de 2024, relatou ao G1 que deveria ter recebido 20 moedas no dia seguinte, mas não conseguiu acessar os valores devido a falhas no aplicativo.

No mesmo mês, ela percebeu que havia cerca de R$ 200 disponíveis para saque no World App. “Por causa do erro no saque, eu desinstalei o aplicativo e reinstalei, mas agora ele diz que a senha está errada, mesmo eu digitando corretamente”, conta.

O mesmo problema foi enfrentado por Marilis Casco Morales, de 24 anos, que participou do projeto em dezembro de 2024. Ela não consegue mais acessar sua conta para resgatar R$ 296,81 referentes à primeira parcela.

“Desinstalei o aplicativo e baixei novamente. Na hora de digitar a senha, o app diz que está errada”, relata.

Em busca de uma solução, Marilis foi até o posto da empresa no Bom Retiro, região central de São Paulo, mas recebeu a orientação de buscar suporte pelo aplicativo, que, segundo ela, não oferece uma alternativa eficaz.

Ela tentou usar o chat de atendimento, mas encontrou dificuldades: primeiro, o sistema não carregava; depois, recebeu a mensagem de que o saque não seria possível, pois não havia feito backup da conta.

Relatos de outros participantes

A reportagem do G1 encontrou outros usuários que enfrentaram situações semelhantes. Elaine Oliveira, de 40 anos, perdeu o acesso à conta e ficou sem receber a segunda parcela dos pagamentos.

“Eu perdi a minha senha e não consegui mais entrar e sacar. Tentei falar no suporte e não consegui porque não tem opção para recuperar a conta. A atendente aqui informou que não tem como eu resgatar e nem fazer novamente a verificação”, afirmou.

Nilson dos Santos, de 39 anos, também relatou dificuldades no recebimento da segunda parcela do pagamento e criticou a falta de suporte eficiente.

“O suporte é robótico e chega um momento que ele não responde mais. Aqui no ponto de coleta de íris, os funcionários sempre direcionam seu problema para o chat no World App”, disse Nilson, que cogita registrar um boletim de ocorrência contra a empresa.

Os problemas enfrentados por Vivian, Marilis e Elaine podem estar relacionados à desinstalação do aplicativo ou à ausência de backup, dificultando a recuperação das contas.

Na seção de ajuda da World, no item “Estou tendo problemas para entrar na minha conta”, a empresa alerta que a remoção do app deve ser a última alternativa para tentar restaurar o acesso, pois pode resultar na perda definitiva da conta.

“Uma última opção é tentar excluir e reinstalar o aplicativo. É importante entender que excluir o aplicativo pode significar perder permanentemente sua conta se você não tiver recursos adequados de restauração em vigor (número de telefone e backup da conta com senha válida)”, informa a empresa.

Apesar disso, a World não explica por que a desinstalação do aplicativo pode impedir a recuperação da conta. No site do projeto, a empresa informa que o World ID — identificação biométrica vinculada à íris — está associado ao World App, o que pode ser a origem do problema.

“O World App permite que você prove de forma segura e anônima que é um humano único online com o World ID”, diz a empresa em sua página oficial.

Suspensão

Na última terça-feira (11/2), a World emitiu um comunicado informando que suspendeu a captura de biometria ocular no Brasil após a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) rejeitar um recurso da empresa e manter a proibição do pagamento em troca da coleta de dados.

O órgão regulador, ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, argumenta que os participantes nem sempre compreendem “os riscos envolvidos e a própria finalidade da coleta”.

Além disso, a ANPD determinou que a World nomeie um responsável pelo tratamento de dados no Brasil, conforme exige a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Posicionamento da empresa

A Tools for Humanity, empresa responsável pelo projeto World no Brasil, enviou uma nota ao portal LeoDias esclarecendo sua posição sobre os problemas relatados pelos participantes.

“A World oferece um canal de suporte no World App, pelo qual os atuais participantes podem esclarecer suas dúvidas a respeito. Esclarece também que os operadores dos espaços físicos são o ponto de contato para orientação sobre o processo de verificação. O backup do World App é fundamental para a recuperação do app. No momento do download do World App, as pessoas têm a opção de fazer o backup no local de sua preferência ou incluir um número de celular para recuperar a sua conta, o que é opcional”, diz o comunicado.