Com a iminente sobretaxa americana sobre o aço e o alumínio brasileiros, o nosso governo enfrenta um dilema; somos o segundo maior fornecedor de aço aos EUA em volume, com 3,98 milhões de toneladas (16,38%)
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O Brasil está no olho de um furacão. Depois de Lula e Trump terem se antagonizado, o caminho para conversas conciliatórias talvez tenha ficado mais difícil. O presidente brasileiro apoiou abertamente a democrata Kamala Harris contra o candidato vencedor. Os comentários do brasileiro sobre o republicano foram agressivos: “É o fascismo voltando a funcionar com outra cara”.
Por mais que Lula esteja bem-assessorado com a diplomacia brasileira, considerada uma das mais competentes do mundo, na hora de tomar a decisão, como todo líder, estará sozinho. Será sua a última palavra. E a pergunta é esta: até que ponto ele estaria disposto a bater de frente com Trump e retaliar a imposição de uma sobretaxa de 25% sobre o aço e o alumínio?
As adversidades de Sarney
Nem sempre a melhor resposta a um ataque é um contra-ataque. Em alguns momentos, o jogo diplomático se mostra mais eficaz do que qualquer confrontação direta. Um exemplo notável desse tipo de estratégia ocorreu em 1986, quando o então presidente José Sarney enfrentou uma recepção hostil nos Estados Unidos, mas soube reverter a situação com habilidade e discurso afiado. Agora, quase quatro décadas depois, o Brasil se vê diante de um novo impasse comercial com esse aumento de taxa dos Estados Unidos. Seria o momento de resgatar lições do passado?
Em setembro de 1986, o Brasil enfrentava um período econômico delicado. Endividado e com dificuldades para negociar termos mais favoráveis com os credores internacionais. Havia também outros pleitos indigestos: manter a reserva de mercado para produtos brasileiros e não pagar taxas adicionais para as nossas exportações. Sarney viajou aos Estados Unidos em busca de um diálogo construtivo.
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Um confronto civilizado
Ronald Reagan, então presidente americano, entretanto, não se mostrou disposto a qualquer gentileza diplomática. Logo na recepção, Reagan afirmou que “nenhum país deve crescer às custas dos outros”, uma alfinetada clara ao Brasil. Pouco depois, insistiu na tese de que nenhum país poderia continuar exportando se seus mercados internos permanecessem fechados.
Diante desse cenário adverso, Sarney não revidou de imediato, mas também não deixou a provocação sem resposta. De maneira habilidosa, elaborou um discurso preciso: “O presidente Reagan disse esta manhã que nenhum país pode crescer às custas dos outros. Nós concordamos com isso. O Brasil sempre cresceu graças às suas potencialidades, ao seu trabalho e ao sacrifício do seu povo.”
Uma vitória diplomática
Esse tom altivo, mas diplomático, marcou a estratégia brasileira naquela visita. Enquanto seus ministros rebatiam, com fatos e argumentos técnicos, as críticas americanas sobre a política econômica brasileira, Sarney adotava um discurso conciliador, ressaltando os laços históricos entre os dois países, a semelhança entre seus congressos e os valores democráticos compartilhados.
Ao final da viagem, o Brasil saiu fortalecido, evitando medidas drásticas por parte dos americanos e estabelecendo uma narrativa mais favorável à sua posição no cenário internacional.
Um mercado importante para o Brasil
Agora, com a iminente sobretaxa americana sobre o aço e o alumínio brasileiros, o nosso governo enfrenta um dilema. Somos o segundo maior fornecedor de aço aos Estados Unidos em volume, com 3,98 milhões de toneladas (16,38%), atrás apenas do Canadá. Em valores, somos o terceiro maior exportador, com US$ 2,916 bilhões (9,93%), ficando atrás de Canadá e México.
Diante desse quadro, o governo brasileiro poderia tomar algumas iniciativas para lidar com a decisão americana. Uma delas, aparentemente a mais prática, seria recorrer à OMC, atitude que parece inócua, dada a lentidão e a ineficácia da organização em disputas comerciais dessa natureza. Outra, seria retaliar, impondo sobretaxas a produtos americanos — o que abriria um confronto direto e não resolveria o problema dos exportadores. Por fim, a que possivelmente seria mais eficaz, a negociação.
Agora há um obstáculo adicional
Foi essa a estratégia adotada nos governos Temer e Bolsonaro, quando medidas similares foram impostas pelos EUA. Como vimos, todavia, o atual governo enfrenta um obstáculo adicional: o antagonismo pessoal com Donald Trump, que venceu as eleições e hoje está com a faca e o queijo nas mãos, pois conta com maioria na Câmara, no Senado e no Judiciário.
O episódio de 1986 reforça um ponto essencial: a diplomacia não é apenas um jogo de forças, mas também de palavras. E, quando bem escolhidas, elas têm o poder de mudar o curso da história. Resta saber se os protagonistas desse embate saberão encontrar as palavras adequadas.
Curiosidade. Em um jantar com José Sarney em São Luís (MA), comentei esse fato. Ele confirmou a veracidade das informações e disse que o relacionamento internacional foi das poucas áreas em seu governo que não sofreu ingerências. Siga pelo Instagram: @polito
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.