Deputados do PL querem flexibilizar a Lei da Ficha Limpa; ex-presidente defende revogação da legislação anti-corrupção
Tramitam na Câmara dos Deputados 2 projetos de lei protocolados pelo PL (Partido Liberal) que propõem mudanças na Lei da Ficha Limpa. Ambas as iniciativas podem beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está inelegível até 2030 por decisão da Justiça Eleitoral.
O PLP 141 de 2023, de autoria do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) busca alterar o artigo 22 da Lei das Inelegibilidades de 1990. A Lei da Ficha Limpa, de 2010, dentre outras medidas, alterou o tempo de inelegibilidade de 3 para 8 anos. Nunes quer reduzir o tempo para 2 anos.
O projeto foi apresentado pelo congressista cerca de 1 mês depois da decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que declarou Bolsonaro inelegível, em junho de 2023.
A justificativa do deputado gaúcho é de que julgamentos na Justiça Eleitoral “que têm alterado constantemente a interpretação da Lei” causam “instabilidade e insegurança política para políticos” e já existem outros mecanismos legais para responsabilizar agentes públicos por condutas indevidas.
A proposta de Bibo Nunes reduz a condição de inelegibilidade em ¼ do que é atualmente. Para ele, “a inelegibilidade por 2 anos seguintes ao pleito eleitoral é uma sanção mais do que suficiente para os fins que se almeja a inelegibilidade” e que a alteração de 3 para 8 anos é “severa e longa”.
“Assim, punição de 2 anos é suficiente em um período eleitoral, dado que afasta qualquer influência que os agentes políticos possam ter neste período”, diz o documento.
Na última semana, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse em mais de uma ocasião que 8 anos de inelegibilidade “é uma eternidade”.
Paralelo a isso, o deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ) propõe condicionar a inelegibilidade à existência de uma condenação penal em última instância. O congressista, que é ligado ao círculo íntimo da família Bolsonaro, apresentou o PLP 14 de 2025 na 1ª semana depois do fim do recesso parlamentar.
Lopes quer alterar o trecho que impõe a inelegibilidade àqueles condenados pela Justiça Eleitoral por abuso de poder político ou econômico. Esse foi o motivo da condenação de Bolsonaro pelo TSE.
O deputado também propõe que condenados por improbidade administrativa só possam perder seus direitos políticos depois que a decisão for julgada por todos os ministros da Corte e não couber mais recurso.
Além da inelegibilidade, a Lei da Ficha Limpa também determina a suspensão de direitos políticos para pessoas condenadas, em decisão final ou por órgão colegiado, por improbidade administrativa em casos de ato doloso (quando há intenção de cometer uma irregularidade).
BOLSONARO QUER REVOGAÇÃO
Depois dos projetos serem noticiados, Bolsonaro publicou um vídeo em que defende a revogação da Lei da Ficha Limpa. Diz que a legislação anti-corrupção serve “para que se persiga políticos de direita”.
Como justificativa, disse que caberia ao eleitor decidir em quem votar e não à Justiça Eleitoral. Afirmou que, no passado, a lei beneficiou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que disputou as eleições de 2022 depois do STF (Supremo Tribunal Federal) anular suas condenações.
Assista (3min16s):
Para que as propostas dos deputados possam valer a tempo de o ex-presidente concorrer ao Palácio do Planalto em 2026 –como ele diz pretender– precisam se tornar lei até 3 outubro de 2025.
Segundo o advogado Rodrigo Cavalcante, sócio do escritório Cavalcante Dias Advogados Associados, o princípio da anterioridade eleitoral determina que mudanças nas regras eleitorais só se aplicam em uma eleição se se forem feitas até 1 ano antes do dia do 1º turno, que em 2026 será em 4 de outubro.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro poderá ser beneficiado pelo abrandamento do tempo de inelegibilidade, mesmo a sua condenação sendo prévia à sanção de uma eventual lei que mude as regras da legislação anti-corrupção.
Segundo o advogado e ex-ministro do TSE Henrique Neves, há jurisprudência para que os projetos de lei, se sancionados, possam ter caráter retroativo e, assim, ser aplicado não só para Bolsonaro, mas para outras pessoas que estão inelegíveis dentro dos termos da proposta.
Em 2012, 2 anos depois da sanção, o STF decidiu pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e que ela se aplicaria a atos e fatos praticados antes da sua vigência.
Apesar da jurisprudência, Cavalcante afirma que a aplicação pode se dar caso a caso. Também explicou que, se as mudanças forem aprovadas, devem ser judicializadas e o Supremo pode emitir um novo parecer e até mesmo derrubar as mudanças.
“PL JAIR BOLSONARO”
Um dos autores da Lei da Ficha Limpa, o advogado e ex-juiz Marlon Reis, criticou a tramitação dos projetos de lei.
Reis integra o MCEE (Movimento Contra a Corrupção Eleitoral), uma das organizações que liderou a redação da lei. A ONG convocou uma reunião do seu Comitê Nacional em 12 de janeiro, em Brasília, para fazer frente ao projeto.
Em entrevista ao Poder360, ele disse que a legislação anti-corrupção não pode ser alterada para benefício de uma única pessoa.
“Esse é um projeto (o PLP 141 de 23) que tem nome e sobrenome. É o Projeto de Lei Jair Bolsonaro, e ele vai ter que levar isso para o resto da vida dele para debate sobre como é que se destrói uma conquista popular para satisfazer a ambição pessoal de poder dele”, afirmou.
Questionado sobre o tempo de inelegibilidade, disse que 8 anos é “razoável” e que 3 anos é “ridículo”. Disse que a proposta de Nunes de mudar para 2 anos é uma forma “pouco corajosa” de defender a abolição da inelegibilidade no Brasil.
“[O prazo de 8 anos representa] apenas 3 eleições, porque na 4ª eleição a elegibilidade já está conquistada. Antes, o que nós tínhamos? Nós tínhamos um prazo de 3 anos que permitia que a pessoa que praticou um abuso de poder numa eleição para prefeito já participasse da próxima eleição para prefeito, porque o mandato é de 4 anos. Era ridículo”, afirmou.
A crítica é seguida por Henrique Neves e Rodrigo Cavalcante.
“Na prática, mudar a inelegibilidade de 8 para 2 anos é fazer como se a condição parasse de existir. Um prefeito cassado, por exemplo, poderá já concorrer às eleições seguintes. É como se a inelegibilidade parasse de existir”, disse o ex-ministro ao Poder360.
“Trata-se de um projeto de lei casuístico. Na capa ele tem o nome do Bolsonaro. […] As pessoas que querem abrandar a lei são as mesmas pessoas que nas eleições anteriores falavam em combater a corrupção”, declarou Cavalcante.
A Lei da Ficha Limpa nasceu como uma iniciativa popular, que angariou cerca de 1,6 milhão de assinaturas. O projeto foi coordenado pelo MCCE, uma organização sem fins lucrativos composta por 70 entidades nacionais.
“A opinião pública brasileira é que blinda a Lei da Ficha Limpa. A Lei da Ficha Limpa é protegida pela sua certidão de nascimento. Porque os pais e as mães da lei não são deputados ou senadores. São as pessoas normais da sociedade brasileira”, disse Reis.
O debate público, segundo Reis, também derrubou outras iniciativas que mudassem a essência da Lei da Ficha Limpa no passado. A mais recente, o PLP 192 de 2023, que estava prestes a ser votado, mas acabou sendo tirado da pauta em setembro de 2024.