Geraldine Brooks, no livro “O acorde secreto”, mergulha na figura de Davi, o rei bíblico, explorando sua ascensão ao poder e as violentas batalhas que marcaram sua trajetória. A obra, ao reimaginar a história a partir da perspectiva de Natã, o profeta, traz à tona um tema central: a construção de um reino baseada em guerra, traição e justificativas religiosas para a violência.
A narrativa de Brooks expõe um padrão recorrente na história humana: a fundação de nações sobre sangue e conquista. A história de Davi e sua relação com os filisteus (os ancestrais simbólicos dos palestinos) ecoa diretamente nas disputas contemporâneas entre Israel e Palestina. Assim como Davi consolidou seu domínio por meio de campanhas brutais, a formação do Estado de Israel, em 1948, também esteve marcada por violência, deslocamento e resistência. O sionismo político, em sua versão mais expansionista, utiliza narrativas bíblicas e históricas para justificar políticas de colonização, emulando o próprio paradigma da conquista davídica.
Trazendo esta história para o presente, a política de Donald Trump para o Oriente Médio, especialmente sua recente declaração sugerindo a remoção forçada dos palestinos de Gaza, não é apenas um apoio incondicional a Israel, mas uma defesa explícita de algo que pode ser classificado como limpeza étnica. Seu governo já havia sinalizado esse alinhamento durante seu primeiro mandato, ao reconhecer Jerusalém como capital de Israel, apoiar assentamentos ilegais e intermediar os Acordos de Abraão, que, embora vendidos como tratados de paz, ignoravam completamente a autodeterminação palestina.
O discurso trumpista reforça um padrão de poder que remonta a Davi: a dominação do território por meio da força, legitimada por um discurso religioso e nacionalista. A ideia de que um povo pode reivindicar uma terra através da conquista, marginalizando ou exterminando seus habitantes originais, é uma justificativa que atravessa séculos. Se o livro de Geraldine Brooks mostra como Davi consolidou seu reino com sangue e justificação divina, a política de Trump para Israel segue a mesma lógica brutal, mascarada de pragmatismo geopolítico.
A declaração recente de Trump, ao sugerir a remoção forçada dos palestinos de Gaza, não apenas endossa crimes contra a humanidade, mas também normaliza a visão de que a política internacional pode ser conduzida como nos tempos bíblicos: através da força, sem compromisso com o direito internacional ou valores humanitários. O Oriente Médio de 2025 não é tão diferente do de Davi, e talvez essa seja a tragédia real que o livro “O acorde Secreto” nos ajuda a compreender.
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