No terceiro ano de mandato no Senado, Damares Alves (Republicanos-DF) assumirá a presidência da Comissão de Direitos Humanos, a despeito da resistência de setores à esquerda. Em entrevista ao Congresso em Foco, a senadora afirma que não pautará discussões sobre aborto, um dos temas que mais lhe renderam críticas em sua passagem pelo governo Bolsonaro.
“Não tem nenhuma matéria no Senado sobre aborto. Estive olhando as matérias na comissão e não há nada sobre aborto. O Senado não quer fazer agora essa discussão, porque o assunto está na Câmara e não vem tão cedo para cá”, disse. “Acho que não virão matérias polêmicas para cá”, acrescentou. Em junho do ano passado, os deputados aprovaram urgência para acelerar a votação de projeto de lei (PL 1904/24) que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive no casos de gravidez resultante de estupro. Após ampla repercussão, a discussão foi suspensa para que uma comissão especial, ainda não instalada, analisasse o assunto.
Damares chegou a ser investigada por interferência para impedir a realização de aborto em uma criança de dez anos, vítima de estupro. A investigação acabou arquivada pela Procuradoria-Geral da República em 2022. No início do ano, senadora recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra uma decisão da Justiça Federal do Distrito Federal que extinguiu seu processo pela revogação da resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que define os termos para o acesso de menores de idade ao aborto nas formas previstas em lei.
Evitando polêmicas, Damares disse que vai começar os trabalhos à frente da comissão com a revisão do Estatuto da Pessoa Idosa. Para ela, é preciso aumentar a proteção aos idosos contra golpes financeiros, abandono e violência. Ela também defende que sejam propostas medidas para incentivar a manutenção dessas pessoas no mercado de trabalho.
A senadora ainda descarta pautar projetos que possam ameaçar os direitos da população LGBTQIA+. “Sou aberta ao diálogo. Sou amiga dos movimentos LGBTQIA+. Mas acho que a gente tem outras prioridades hoje”, afirmou.
Embora defenda a anistia política para os envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, ela descarta levantar a discussão na Comissão de Direitos Humanos. “Por que não podemos pensar em anistia para os problemas políticos recentes que tivemos no Brasil? Mas não vou provocar esse debate, que está muito amadurecido na Câmara”, disse. Pastora evangélica, Damares é pré-candidata ao governo do Distrito Federal em 2026.
Veja os principais pontos da entrevista dada pela senadora ao Congresso em Foco no último sábado (1º), logo após a eleição de Davi Alcolumbre para a presidência do Senado.
Aborto
“Não tem nenhuma matéria no Senado sobre aborto. Estive olhando as matérias na comissão e não há nada sobre aborto. O Senado não quer fazer agora essa discussão, porque o assunto está na Câmara e não vem tão cedo para cá. O Senado tem outras propostas, vamos seguir o ritmo da Casa. O presidente Alcolumbre garantiu que serão dois anos de produtividade. Vamos trabalhar nossas prerrogativas, a independência e a altivez desta Casa, que é o que a gente está precisando. Acho que não virão matérias polêmicas pra cá.”
Idosos
“Nós temos necessidades urgentes. Por exemplo, o Ministério dos Direitos Humanos tem divulgado relatórios sobre o aumento da violência contra a pessoa idosa. Vamos ter de discutir isso com muita serenidade. Não dá pra adiar mais essa discussão. Precisamos fazer uma visita ao Estatuto do Idoso. Precisamos preparar o mercado de trabalho para receber essa mão de obra. Vamos trabalhar pela inclusão digital, buscar o direito à qualificação das pessoas idosas e o enfrentamento à violência contra elas. Vamos começar imediatamente a discussão sobre a proteção da pessoa idosa. Temos hoje novas modalidades de violência contra a pessoa idosa. Há 20 anos não tínhamos as redes sociais, os telefones móveis ligando, oferecendo empréstimos, estelionato, fraude bancária. Como a gente pode se preparar para que eles não tenham seus direitos violados?”
LGBTQIA+
“Foi o movimento que mais me elogiou como ministra. Tenho recebido agora algumas resistências ao meu nome, mas eu só penso diferente. Tudo que quero é o que eles querem também, que é a garantia de direitos. Talvez a gente trabalhe de forma diferente, mas na ponta a gente converge. Quero criança, idoso, LGBTQIA+, mulher com direito protegido. Quais direitos eles gostariam de discutir na comissão? Os movimentos LGBTQIA+ conquistaram todas as pautas. Casamento, adoção, divisão de bens, tudo isso está consagrado. Que outra pauta teria? Enfrentamento à violência? Esta é uma pauta de todo dia de todos nós. Sou aberta ao diálogo. Sou amiga dos movimentos LGBTQIA+. Mas acho que a gente tem outras prioridades hoje.”
Anistia
“O tema está na Câmara. Tenho posição clara sobre o assunto. Que bom que o país teve anistia em 1979. Quantos anistiados estão no plenário e ocuparam cargos de poder no Brasil. que bom que tiveram anistia. A palavra anistia é perdão. É virar a página. Se chegar o momento em que este Senado entender que é hora de virar a página e caminhar, vou lutar por isso. Não é porque aqueles patriotas foram presos. A anistia é um instrumento legítimo. O Brasil ganhou muito em 1979. Por que não podemos pensar em anistia para os problemas políticos recentes que tivemos no Brasil? Mas não vou provocar esse debate, que está muito amadurecido na Câmara. O Senado provavelmente será a Casa revisora neste caso.”
Invisibilizados
“Quero trazer povos invisibilizados para o Parlamento, quero trazer as mulheres marisqueiras, as quebradeiras de coco, os ciganos. Vamos dar uma olhada por que o Estatuto do Cigano ainda não foi aprovado. Temos muita coisa para fazer na área da proteção da infância. Dá para fazer um trabalho bacana. Nenhum direito a menos. Trabalharemos pela garantia de todos os direitos de todos os povos. Vamos acompanhar as políticas públicas para povos indígenas, buscando respostas e soluções. É hora de fazer avaliação do que está sendo feito na ponta, o que precisa melhorar. Tenho paixão pelos povos indígenas, todos sabem disso. Agora, presidente de comissão trabalha sendo acionado. Espero que membros da comissão tragam pautas e me acionem com as matérias que eles acham que devem ser votadas.”
Criança e adolescente
“Meninas estão se suicidando, muita criança com diagnóstico de transtorno. Vamos preparar a sociedade para receber essas crianças. Hoje a sociedade tem outros temas mais urgentes. Nenhum retrocesso, nenhum passo atrás, direitos adquiridos não serão retirados. Mas vamos trazer outros debates para este Congresso também. Vamos começar imediatamente a discussão sobre a proteção da pessoa idosa.”