Dias atrás foi desbaratada no Distrito Federal uma organização criminosa que, explorando a fé religiosa, fazia as vítimas investirem em falsas transações financeiras. Uma coisa tão inverossímil que custa a crer que alguém em sã consciência pudesse acreditar que, transferindo 25 reais para determinada conta, receberiam uma “bênção financeira” pela qual poderiam ganhar até 1 octilhão de reais. Ou, se investissem 2 mil reais, poderiam auferir “com a ajuda divina”, 350 bilhões de centilhões de euros. Difícil de entender, né? Só pra dar uma ideia: 1 octilhão corresponde a 1 seguido de 27 zeros. Assim: 1. 000000000000000000000000000!
E tem gente, muita gente, que caiu e continua caindo na lábia desses cretinos.
Os estelionatários, entre eles cinco líderes religiosos, advogados e influenciadores digitais já identificados, surrupiaram dos fiéis, de 2019 pra cá, a bagatela de 160 milhões de reais. Até porque é fácil enganar quem… quer ser enganado! Jorge Luís Borges em sua “História Universal da Infâmia” já garantia que “Toda grande impostura exige a cumplicidade de quem se deixa enganar”.
Não é de hoje que publicações sérias e respeitadas mundialmente, como a revista norte-americana Forbes, que desde agosto de 2012 tem uma edição brasileira, publicam a lista das maiores fortunas pessoais. E aqui no Brasil, já nem mais causa surpresa a informação de que cinco pastores evangélicos figuram na cabeça da lista. O primeiro é o bispo Edir Macedo, com uma fortuna pessoal – eu escrevi pessoal, dinheiro guardado na conta dele, e não da Universal – no valor de R$ 2 bilhões. Não está errado: são mesmo 2 bilhões de reais, grana que dá pra comprar, digamos, 81 mil carros populares. Ou reformar 100 hospitais. Logo em seguida vem o pastor Valdemiro Santiago, aquele do chapéu de vaqueiro, com uma maçaroca de dinheiro estimada em R$400 milhões, uma baba suficiente pra comprar não uma nem duas nem 10 nem 50, mas 74 coberturas iguais à do Neymar, é mole?
Mesmo montado nessa grana toda, segundo a coluna Leo Dias, do portal Metrópoles, em 2021 os funcionários de Valdomiro não receberam o 13º salário, e sua igreja foi condenada a pagar R$ 150 mil em indenização. Mas não foi problema. Segundo o portal TV Foco o vaqueiro-pastor ou pastor-vaqueiro pediu aos fiéis ajuda para arrecadar a grana e quitou a dívida. Em terceiro lugar, um velho conhecido e guru dos bolsonaristas, o neopentecostal líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, pastor Silas Malafaia, está sentado num caixote recheado com R$300 milhões. Tudo bem, não dá pra comprar 74, mas ele pode comprar umas 50 coberturas iguais à do Neymar. Já dá uma ajudinha, né? Na sequência, R.R Soares, pastor neopentecostal, fundador da igreja internacional da graça de Deus, com R$250 milhões.
Hoje, na lata e sem pedir desconto, ele pode comprar dez jatos da Embraer. Ou 100 mil cabeças de gado. Ou um “simples” diamante azul. Mas também pode ajudar as pessoas pobres de sua igreja e comprar pra dar a elas 425.531 cestas básicas. Pergunta se ele ao menos pensa em comprar essas cestas… Mas nem! E em 5ª posição está o casal Estevam Hernandes Filho e a bispa Sônia, enrolados até os tornozelos com a justiça, e que já pagaram cadeia pela acusação de crimes como estelionato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Os dois lanternas da lista reúnem um dinheirinho mirrado, coisinha pouca, mais ou menos uns pobres R$120 milhões. Tudo bem que não dá pra comprar 81 mil carros populares. Mas, se economizar, dá pra comer um pf, pedir reforço no bife e ainda tomar um chope, não dá? Aliás, chope não, que pastores não bebem. São “homens de Deus”. Não bebem pelo menos em público…
A lista acima, recheada de provocações, é apenas para ilustrar o acúmulo desmesurado de dinheiro por pastores neopentecostais ou evangélicos que enriqueceram rendendo graças ao Pai Eterno, pondo em prática a tal de “teologia da prosperidade”, recolhendo o sagrado dízimo dos membros de suas igrejas e enfiando nos próprios bolsos. Um despautério que salta aos olhos mas, passam-se os anos e as décadas, e eles continuam amealhando fortunas graças ao mirrado dinheirinho das pessoas mais pobres, justamente as mais exploradas por eles. Tudo sob o sagrado manto da mais desavergonhada impunidade.
Até hoje, fora um ou outro processo como o do 13º do pastor do chapelão, nada se faz para por cobro a uma das mais escancaradas rapinagens de que se tem notícia no país.
Ora, trabalhando em suas respectivas profissões, jamais esses pastores conseguiriam ganhar um milésimo do que amealharam correndo a sacolinha. Chega a ser ultrajante saber que a dinheirama que foi cair nas suas contas bancárias não veio de nenhum fiel endinheirado, mas justamente de pessoas muito, muito carentes. Justamente as que mais precisam de ajuda, muitas delas tirando até da comida dos filhos para doar às igrejas caça-níqueis, sob a promessa de que quanto mais doarem mais obterão um lugar no reino de Deus e sucesso financeiro aqui no reino de Pindorama.
E o que impede de as digníssimas autoridades darem ordem de prisão aos pastores ricaços? O simples fato de que, em nenhum dos três poderes, não há ninguém – ninguém – com coragem para botar a mão no vespeiro e denunciar essas “pessoas de Deus”. E olha que tudo é feito sob a “sagrada” proteção da Magna Constituição do país, segundo a qual, em seu artigo 5º, VI, é “inviolável a liberdade de consciência e de crença”, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos. Bem como, acrescentamos nós, o direito de surrupiar o sagrado dinheirinho dos mais necessitados para encher até estufar os bolsos de um bando de pastores desavergonhados e aproveitadores da boa-fé dos fiéis.
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