A crise da representação tem marcado a política em escala global desde o final do século passado. Cada vez mais, os cidadãos manifestam descontentamento em relação às instituições, especialmente, às instituições representativas. No plano local, isso não tem sido diferente. Constantemente, a atuação do vereador é colocada em xeque. Os edis são frequentemente considerados na “bolsa de valores populares” como agentes públicos de pouca utilidade, assistencialistas, clientelistas e sem relevância. Em suma, se o descrédito dos indivíduos com a classe política é notório, a desconfiança com a vereança é ainda mais explícita.
Não obstante, se as funções precípuas do vereador de fiscalizar os recursos públicos e legislar em nível municipal são contestadas pelos cidadãos, como algo que na prática seria pouco eficaz, nos últimos anos têm se observado um novo formato de atuação da vereança. Me refiro o uso de um instrumento denominado ‘Indicações’, em alguns lugares também denominado ‘Pedido de Providências’. Trata-se de um formato de atuação sob o qual o vereador desempenha um papel de intermediação dos problemas da comunidade junto ao prefeito, solicitando medidas, na maioria das vezes, com certa urgência, ao chefe do Executivo para a resolução de questões que vão desde a limpeza ou iluminação de ruas, canais, até mesmo a falta de médicos ou de equipamentos numa Unidade de Pronto Atendimento (UPA), entre outros.
Na Ciência Política brasileira, um conjunto de autores tem se dedicado ao estudo da temática nos últimos anos. Anteriormente observada com ceticismo, como uma prática relacionada à política de clientela, mais recentemente o instrumento legislativo das Indicações/Pedido de Providências passou a ser visto como algo necessário que tem como principal objetivo a solução de problemas do município. Entre esses estudos, elencamos os trabalhos dos cientistas políticos Marta Rocha Mendes (UFJF) e Bruno Souza Silva (Unesp), e o estudo sobre o caso dos vereadores do Rio de Janeiro, de autoria de D’Avila, Lima e Jorge (2014).
Em recente pesquisa de minha autoria, em parceria com a professora Patrícia Vasconcellos (UNIR), sobre a agenda ambiental na relação Executivo-Legislativo em Porto Velho, capital de Rondônia, embora não seja especificamente nosso objeto de estudo, detectamos que, no período entre janeiro de 2021 e julho de 2023, foram apresentados pelos representantes na Câmara Municipal o número de 11.757 Indicações/Pedido de Providências. Em se tratando de uma legislatura na qual o prefeito detinha quase a totalidade dos representantes em sua base parlamentar, num contexto de praticamente inexistência de oposição, apenas um terço dos vereadores foi reeleito em 2024.
Esse dado levanta a hipótese de que a solicitação de Indicações/Pedido de Providências por parte dos edis não necessariamente se traduz em sucesso eleitoral, mesmo que o vereador faça parte da coalizão governista, o que significa ainda mais acesso aos secretários e aos recursos do Executivo. Cumpre mencionar que na Câmara Municipal de Porto Velho, os ‘Pedidos de Providências’ são destinados ao Executivo Municipal, enquanto as ‘Indicações’ encaminhadas ao Executivo Estadual. Nesse caso, os ‘Pedidos de Providências’ representaram quase a totalidade dessas mais de 11 mil solicitações.
É nesse contexto que para os estudiosos do poder local uma série de desafios sobre o tema estão postos na atualidade, em busca de uma maior compreensão acerca do funcionamento desse dispositivo legislativo de grande relevância para as funções do vereador. Algumas dessas questões podem ser assim formuladas: 1) Há relação entre as Indicações/Pedido de Providências e sucesso eleitoral? 2) Fazer parte da base legislativa do prefeito significa ter suas solicitações de Indicações/Pedido de Providências atendidas pelo Executivo? 3) Qual a porcentagem de Indicações/Pedido de Providências que realmente são solucionadas?
De fato, são diversos os pontos ainda pouco exploradas sobre o tema. Contudo, o que podemos afirmar é que a função de ‘microexecutor’ tem mudado substancialmente o perfil de atuação do vereador. Ademais, ao que parece, parte considerável dos estudiosos já observam as Indicações/Pedido de Providências como um instrumento legislativo necessário, distinto de práticas clientelistas. Resta agora entender se tais instrumentos são: (i) efetivos frente aos problemas que a população espera resolver e (ii) e quem leva o crédito quando o problema é de fato resolvido. Retornaremos ao tema em uma outra oportunidade.
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