O dia é 20 de janeiro, conforme estabelecido pela 20ª Emenda da Constituição dos EUA. A cerimônia de posse segue o protocolo habitual: o juramento de posse será conduzido pelo presidente da Suprema Corte, John Roberts, um conservador indicado por George W. Bush. Em seguida ocorre o tradicional discurso de posse. À noite, o baile de gala encerra o dia.
Uma curiosidade sempre aguardada é a escolha da música para a primeira dança do recém-eleito. Uma lembrança: em 2017, Donald Trump escolheu “My way”, de Frank Sinatra. Até aqui, nada de novo. Inclusive o fato de Trump ser reconduzido ao poder de forma não consecutiva não é inédito na história americana; isto já aconteceu com Grover Cleveland no final do século 19. No entanto, o que torna a posse de Trump única é o fato de ser a primeira vez na história dos EUA que um presidente condenado por estupro é eleito e toma posse, além da enfrentar uma série de outros processos, alguns em fase já de imputação de penas. Muitos desses processos foram paralisados devido à campanha eleitoral e à transição presidencial.
A cerimônia de posse conta com recursos públicos e privados. O orçamento público, aprovado pelo congresso, cobre despesas essenciais como segurança e logística, já os eventos associados à posse, como o baile de gala, são financiados com investimentos privados. A cerimônia de posse do presidente Donald Trump arrecadou, até agora, um total de 185 milhões de dólares, superando significativamente os 107 milhões de 2017 e se tornando a mais “rica” da história. Dentre os principais doadores, destacam-se as gigantes da tecnologia Meta e Amazon, cada uma contribuindo com 1 milhão de dólares para o fundo inaugural.
Além da contribuição financeira, a Amazon de Jeff Bezos anunciou que transmitirá a cerimônia de posse através de seu serviço Prime Video. Vale a lembrança de que Bezos também é CEO do Washington Post, que, pela primeira vez em 36 anos (e uma tradição de apoio a candidatos presidenciais democratas), não se posicionou editorialmente a favor de Kamala Harris ou Donald Trump, por decisão do próprio Bezos. Vale nota também que recentemente a famosa e premiada cartunista Ann Telnaes pediu demissão do jornal, que se recusou a publicar uma charge satírica mostrando Bezos ajoelhado em frente a Donald Trump. Durante seu primeiro mandato, Trump criticou a Amazon e o fundador Jeff Bezos, particularmente em relação à cobertura política do The Washington Post. Recentemente, Bezos adotou um tom mais conciliatório, expressando otimismo em relação ao segundo mandato de Trump e apoiando suas propostas de desregulamentação.
Da mesma forma, Mark Zuckerberg encontrou-se com Trump em Mar-a-Lago semanas antes do anúncio da doação de 1 milhão da Meta para a posse, indicando um esforço para estabelecer uma relação mais positiva com a nova administração. O fundador da Meta nunca havia doado para nenhuma campanha presidencial. Bem, Zuckerberg realmente saiu do armário este ano. Com o vídeo recentemente divulgado em suas mídias, anunciou o abandono de importantes políticas de “moderação de conteúdos” e trocou o conceito pela palavra “censura”. Além de outras passagens ainda mais graves em seu pronunciamento, como chamar a suprema corte do Brasil, ainda que de forma indireta no discurso, de “cortes ocultas da América Latina”, claramente se referindo ao imbróglio entre Musk e a Suprema Corte Brasileira.
Outro fato curioso que vale nota são as mudanças que Zuckerberg fez na equipe de liderança da Meta em janeiro de 2025. Dana White, CEO do UFC, aliado próximo de Trump, inclusive cogitado para ganhar uma posição na administração Trump, encontrou acolhimento no conselho da Meta a convite de Zuckerberg. Outro nome que vale menção: Joel Kaplan, novo Diretor de assuntos globais da Meta; ex-chefe de gabinete de Bush, Kaplan vinha desempenhado uma função da Meta ligando a empresa a políticos conservadores republicanos.
Tim Cook, CEO da Apple, Sam Altman, Open AI, também são doadores da cerimônia de posse de Trump, uma milhão cada, além das empresas de Bitcoin Kraken, Ripple e Coinbase.
Elon Musk, por sua vez, foi o maior doador individual do ciclo eleitoral de 2024, de acordo com registros da comissão Federal de eleições dos USA, foram aproximadamente 277 milhões de dólares destinados ao apoio a Trump e outros candidatos republicamos. Vale lembrar que Musk anunciou, num momento crucial da campanha eleitoral, um “sorteio” de 1 milhão de dólares diários para eleitores registrados em estados-chaves decisivos para a eleição, como Pensilvânia. Bastava o eleitor assinar uma petição declarando apoiar a primeira emenda americana; aquela da tal “liberdade de expressão”. Musk fez largo uso de suas plataformas em apoio a Trump. Estas ações levantaram o debate nos USA sobre a influência de bilionários no processo democrático e os limites éticos e legais destas ações de cunho político. A justiça americana falhou em barrar a clara compra de votos de Musk. A escolha de Musk como secretário de eficiência governamental neste contexto, simboliza a consolidação do poder das big techs na administração pública. O encontro entre Musk, Trump e Putin levanta questões sobre as novas dinâmicas de poder que se estabelecem na política internacional americana. Aliás, o que Musk faz numa reunião com Putin se não é chanceler/secretário de Estado?
Essa aproximação estratégica das big techs com contribuições financeiras e gestos de apoio ao governo Trump demostra uma clara necessidade de resistência às regulamentações mais rígidas (e onerosas) adotadas no modelo Europeu, visando ganhos financeiros. Regulamentações estas que representam uma ameaça às big techs, haja vista o potencial de serem adotadas em outros países pelo mundo, como exemplo de bom modelo regulatório.
A transformação do discurso público americano sob esta nova configuração de poder merece atenção especial. O conceito de liberdade de expressão, tradicionalmente protegido pela Primeira Emenda, sofre uma reinterpretação significativa. O que antes era entendido como um direito sujeito a limitações em casos de discurso de ódio, difamação ou incitação à violência, agora é apresentado como um direito absoluto, alinhado aos interesses comerciais das plataformas tecnológicas. Esta mudança fundamental no entendimento da liberdade de expressão coincide com os interesses financeiros das big techs, que transformaram o debate sobre moderação de conteúdo em uma narrativa sobre censura e ameaças à liberdade.
O que emerge deste cenário é uma nova forma de oligarquia, liderada pelas big techs, caracterizado pela concentração de poder econômico e influência política nas mãos de um pequeno grupo de empresas tecnológicas. O enriquecimento extraordinário de figuras como Elon Musk e Mark Zuckerberg desde a vitória eleitoral de Trump simboliza a consolidação de um novo modelo de governança onde o poder corporativo das tecnológicas se funde com o poder político tradicional, redesenhando os contornos da democracia americana.
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